quarta-feira, 7 de março de 2012

entrevista ao meu avô


 Chamo-me Diogo Saldanha Laranjeiro, tenho 9 anos e frequento a Escola Básica do 1.º ciclo da Boa Hora, no 4.º ano de escolaridade, situada na freguesia da Gafanha da Boa Hora. Vivo numa localidade muito próxima da minha escola, mais propriamente na Barra de Mira, que pertence ao concelho de Mira.

A minha professora Iveta pediu à turma que investigasse fatos sobre a história de Vagos na internet, ou fazendo entrevistas aos pais, avós e vizinhos. Apesar de não pertencer ao Concelho de Vagos, meus avós disseram que existiam muitas coisas em comum entre a Barra de Mira e Gafanha da Boa Hora. Os meus pais pouco sabem sobre o que acontecia antigamente, por isso entrevistei o meu avô Américo.

O avô Américo tem 71 anos e as suas memórias conseguiram recuar até aos seus 15 anos de idade, ou seja, por volta de 1955. Então comecei a entrevista em que lhe perguntei do que se lembrava sobre o passado comum entre Barra de Mira e Gafanha da Boa Hora. E assim começou a falar…

Avô - Há cerca de 55 anos, existiam uma média de 10 a 15 barcos moliceiros, barcos esses que pertenciam às gentes da Gafanha da Boa Hora, Barra de Mira, Carapelhos e Seixo de Mira. Estes barcos eram utilizados para a apanha do moliço na ria da Vagueira, Costa Nova e Torreira.

Diogo – Para que servia o moliço?

Avô - O moliço era utilizado apenas para fertilizar terrenos, inclusive plantações de chicória. Além do moliço, estes barcos eram utilizados para transportar a chicória, batatas, sal das salinas de Aveiro entre outros bens essenciais de consumo.

Diogo – O que é chicória? Cultivavam chicória aqui?

Avô – A chicória é uma planta que produz uma espécie de café mistura. Aqui, nos terrenos da Barra de Mira, também conhecida por Poço da Cruz, foi uma zona escolhida para o cultivo da chicória, tendo sido então um dos principais meios de subsistência, dando emprego a muitas famílias de cá e arredores. Os barcos moliceiros transportavam a chicória da Barra de Mira e Gafanha da Boa Hora para os armazéns de Ovar, sendo estes depois enviados para as torrefações e moagens. Nesta altura o café bebido em casa era 100% constituído por chicória. Devido ao comércio da chicória, pessoas do interior acabaram por se fixar cá e arrendavam terrenos para a expansão deste produto. Existiram até estufas próprias para a secagem do grão da chicória, havendo nesta altura um na Barra de Mira e dois na Gafanha da Boa Hora, sendo o seu proprietário o conhecido “Padreca”, já falecido.

Diogo – Só trabalhavam a chicória?

Avô – Não, esta era uma zona que vivia da pesca, da agricultura, das plantações de milho, batata, trigo, cevada e centeio e também da produção de gado “leiteiro”. Não existiam ordenhas, sendo o leite tirado manualmente e transportado em “latos” para o posto do leite. Cada proprietário levava a recolha do leite aos postos de leite, sendo este depois transportado pelo camião de “Lacticínios de Aveiro”, ou de “Vale de Cambra”. O pagamento da receita de leite era feito de 15 em 15 dias. Este dinheiro era investido na compra do sal, café, azeite e peixe salgado, produtos que não eram produzidos na terra.

Em casa eram criados animais de estimação, mas isso não significava que houvesse fartura. O porco era criado durante 1 ano e tinha de durar pelo mesmo período de tempo até se ter outro pronto para matar. As carnes eram salgadas nas chamadas “salgadeiras”, estruturas de madeira bem embrulhadas em sal, porque não havia arcas de refrigeração. Eram aproveitadas as tripas, aparas de fêveras e carne para fazer chouriços. As tripas eram lavadas no rio, em água corrente e depois temperadas com sal e limão. Só depois é que eram cheias e postas ao fumo para curar a carne.

As galinhas e os galos eram apenas para ocasiões especiais, pois eram guardados para a venda nas feiras. Nem os ovos se aproveitavam para o consumo de casa, até estes eram para a venda. Só quando algum familiar adoecesse, é que se comia uma canjinha de ovo.

Diogo – Devia ser difícil ser pobre…

Avô – Sim, mas tenho muitas saudades desse tempo!

Entrevistador 
 Diogo Saldanha Laranjeiro
Entrevistado
 Américo da Rocha Laranjeiro,
 nascido a 26 de Outubro de 1940.


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